Dos 92 prefeitos do Estado do Rio, 70% deles são alvo de
investigação na Justiça. Improbidade administrativa é a principal acusação.
Treze administradores já foram cassados, mas estão recorrendo.
O Jornal O Globo, um dos maiores do país, publicou esta semana uma matéria onde mostra um quadro de prefeitos do estado do Rio de Janeiro investigados pela justiça. O prefeito de Italva Leonardo Guimarães, se diz orgulhoso por não aparecer em um cenário tão tenebroso da política do estado. "A administração pública não é fácil. A lei é rigorosa e pune até mesmo erros simples. Buscamos errar cada dia menos e cuidar com zelo do patrimônio público". Abaixo leia a matéria completa.
Na última semana, a 21ª Câmara Cível proibiu o
prefeito de Búzios, André Granado, de fazer qualquer nova contratação de
servidor. A medida, pedida pelo Ministério Público, é uma tentativa de frear a
série de desmandos que levou o chefe do Executivo a responder a dez ações por
improbidade administrativa e a duas penais, que já resultaram em uma
condenação. Para o MP, trata-se de mais um caso de uma prática
antiga: mau uso de verba pública. O problema se repete no caso de outros 64
prefeitos eleitos em 2012 (ou seja, 70% dos 92 existentes no estado), que
também são investigados.
Um levantamento feito nos tribunais Superior Eleitoral e
de Justiça do Rio, nos ministérios públicos Federal e do estado e na Polícia
Federal revela ainda que 50 desses prefeitos alternam a cadeira no gabinete com
o banco dos réus, sendo que em 13 casos já houve condenações. Juntos, 65 chefes
do Executivo respondem a pelo menos 118 ações por improbidade administrativa,
dez penais e 86 inquéritos. Treze já foram cassados, mas estão recorrendo.
Durante três meses, repórteres do GLOBO analisaram cerca
de três mil páginas de documentos sobre contratações irregulares em serviços e
obras, superfaturamentos e denúncias de desvios. Nesse período, dois prefeitos
foram cassados (Helil Cardozo, de Itaboraí; e Marcos Antônio da Silva Toledo, o
Taninho, de Natividade) e dois foram acusados de enriquecimento ilícito
(Luciano Mota, de Itaguaí, e Arlei Rosa, de Teresópolis).
Na quarta-feira, o prefeito de São Sebastião do Alto,
Mauro Henrique Silva Queiroz Chagas, foi preso em flagrante quando recebia R$
100 mil de um empresário, que teria sido obrigado a pagar propina por causa de
um contrato com o município. A prisão de Mauro, que estava há 11 meses no
cargo, foi o desfecho extremo de uma rotina de irregularidades vivida hoje na
maior parte das cidades do estado. Ele era o vice na chapa de Carmod Barbosa,
que ganhou as últimas eleições, mas foi cassado em abril do ano passado —
responde a três processos por improbidade, devido a contratos considerados
ilegais.
Em Búzios, Granado, antes de assumir a cadeira do chefe
do Executivo, foi secretário de Saúde na gestão de Toninho Branco. Foi nesse
cargo que ele e o então prefeito contrataram, sem licitação, os serviços da
Barnato Comércio de Peças Ltda ME (que recebeu R$ 557.885,04), da Lagos Tecno
Car Som e Acessórios Ltda e da DJ Felipe Mecânica ME, para manutenção dos
veículos da Secretaria de Saúde. De acordo com as notas fiscais, os automóveis
chegavam a ser lavados duas vezes por dia na Barnato, sediada em Rio Bonito, a
mais de 90 quilômetros de Búzios.
R$ 250 POR UM
ÚNICO PARAFUSO
Além disso, a prefeitura pagava R$ 250 pela reposição de
um único parafuso. O absurdo levou a Câmara a instaurar a CPI do Parafuso, que
concluiu pela responsabilidade de Branco e Granado, enviando o caso ao MP. A
Justiça concluiu que as notas eram frias e que os serviços, além de contratados
ilegalmente, não foram de fato realizados. Em dezembro passado, Branco e
Granado foram condenados a devolver R$ 808.864,23 aos cofres públicos. Em sua
sentença, o juiz Marcelo Chaves Villas, da 2ª Vara da Comarca de Búzios,
lamentou a situação do município, lembrando que, além do então chefe do
Executivo, já havia também condenado os dois prefeitos anteriores, também por
improbidade administrativa.
MAIS DA METADE DOS
PREFEITOS ELEITOS SÃO ALVOS DE INVESTIGAÇÃO
Para não ser cassado, o atual prefeito recorreu da
sentença para aguardar o julgamento do recurso ainda no cargo. Ele também está
sendo investigado pela contratação de uma empresa para administrar o serviço de
vagas rotativas da cidade.
— A empresa não tem lastro para um contrato de valor tão
alto, com concessão de dez anos. Por isso, abrimos um inquérito civil para
investigar o caso — explicou a promotora Marcela do Amaral Barreto, da 2ª
Promotoria de Tutela Coletiva de Cabo Frio. Ela também atua em três outras ações por improbidade em
que Granado e o ex-prefeito são acusados de fechar contratos, sem licitação,
para a contratação de ONGs que teriam recebido R$ 13 milhões para administrar o
único posto de saúde da região.
Além de prefeito, Granado é dono da Búzios Diagnósticos,
de serviços de saúde, inaugurada em 2002. A empresa prestava serviços à
prefeitura. Ele é ainda proprietário de um casarão no Condomínio Atlântico, na
Praia da Ferradura, onde o município faz obras de pavimentação. A rua onde ele
mora só está pavimentada até o trecho justamente em frente à sua residência.
Em nota, a assessoria de Granado afirmou que a
pavimentação na rua onde vive o chefe do Executivo foi feita “há uma década”,
muito antes de ele assumir qualquer cargo público. Também nega que ele tenha
sido alvo da CPI e afirma que a condenação foi equivocada, baseada num parecer
do TCE que acabou reformado. “A dinâmica e a grande gama de legislações que incidem
sobre a administração pública hoje em dia sujeitam o administrador público a
responder a processos judiciais”, diz a nota, acrescentando que a empresa de
Granado deixou de prestar serviços à prefeitura há muitos anos.
O prefeito de Cabo Frio, Alair Corrêa, encabeça o número
de ações por improbidade — responde a 11 processos — e também já foi condenado.
Teve a candidatura impugnada nas eleições de 2012, mas reverteu a decisão no
TSE. Ao reassumir seu terceiro mandato, deu início ao processo de licenciamento
do parque Riala (Alair ao contrário), de sua propriedade, que teve autorização
negada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), por não atender às
exigências legais. A assessoria do prefeito não respondeu às perguntas enviadas
pelo GLOBO.
Em Cachoeiras de Macacu, o prefeito Waldecy Fraga
Machado, o Cica, em seu terceiro mandato, coleciona nada menos que dez ações
por improbidade movidas pelo MP estadual. Entre as acusações, está a de
prestação irregular de contas e de contratação sem licitação do Instituto
Niteroiense de Administração Pública (Inap), para serviços de consultoria e
treinamento de funcionários.
Numa das ações, ele chegou a ser condenado em segunda
instância por propaganda pessoal nas dependências e no entorno do Centro
Intereducacional de Cultura e Arte (Cica). O prefeito foi proibido de usar a
sigla “Cica” em placas, avisos e qualquer outro documento, sob pena de multa de
R$ 10 mil a cada ato. Waldecy conseguiu manter seus direitos políticos, e a
instituição teve o nome trocado: virou Centro Intereducacional de Artes e
Cultura (Ciac).
— Foi o secretario de Educação (Osório Luis Figueiredo),
do meu mandato anterior, que colocou a placa na época. O Ministério Público
entendeu que a placa tinha ligação com o meu apelido. A decisão com a condenação
saiu neste mandato, e ainda devo receber uma multa. Quanto às demais ações,
estamos recorrendo — diz Cica, um produtor rural que gosta de cavalgadas e não
abre mão de visitas à engarrafadora de água mineral Maratuã, da sua família.
ESGOTO DESPEJADO DIRETAMENTE
NOS RIOS
No município, que já foi conhecido como “o paraíso das
águas cristalinas” e tem mais de 200 cachoeiras, é o despejo de esgoto nos rios
Macacu e Ganguri que mais chama a atenção. Casas e prédios lançam os dejetos in
natura diretamente nos cursos d’água.
— Quase todo o esgoto daqui vai para os rios — lamenta
José Fabrício Gonçalo, de 87 anos, 60 vividos em Cachoeiras.
Cica promete licitar ainda este ano um programa de
implantação de rede de esgoto e estações de tratamento nos três distritos do
município. Os recursos — R$ 55 milhões — serão dos governos federal e estadual.
Na administração de uma cidade extremamente dependente de repasses de royalties
de petróleo e outras transferências — em 2013, pouco mais de 7% da receita veio
de tributos municipais —, Cica fez um corte de 20% no valor dos contratos,
atingindo especialmente a limpeza urbana.
— A ação para redução de despesas não tem sido correta.
Ele está acumulando dívidas. Deve R$ 4 milhões a fornecedores de remédios, que
já estão faltando no hospital municipal — diz o vereador Carlos Melo da Silva
(PV), presidente da Câmara. Fonte: O Globo